terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Conto 3: "Traição" - Parte 4

No dia seguinte, Gabriela e seus pais apareceram cedo em casa de Manuel. Ela com os olhos vermelhíssimos, demonstrava bem o quanto deve ter chorado a noite inteira por causa da situação de que era causadora.
Notava-se um certo nervosismo em enfrentar o noivo, estava apavorada com receio da sua reacção quando a visse na frente, mas tinha de o fazer, a sua vida estava em jogo.
Quem abriu a porta foi a mãe de Manuel e também ela apresentava umas olheiras que não escondiam de como foi passada aquela noite – em claro naturalmente.
- Bom dia D. Ana, queremos pedir desculpa pela invasão a esta hora, mas todos sabemos que é preciso achar uma solução para o problema que a minha filha arranjou – disse meia constrangida a mãe de Gabriela – podemos entrar e conversar? Pode chamar o seu filho?
- Ai que situação que tu nos arranjaste filha – disse D. Ana virando-se para a sua futura nora – nem sei como o Manuel te vai receber, ele ontem estava muito revoltado e ainda nem saiu do quarto. Entrem e esperam na sala que eu vou chamá-lo, vamos ver no que isto vai dar, mas as coisas não estão nada boas, Deus nos ajude!
Gabriela recomeçou a chorar depois daquelas palavras e o medo apoderou-se ainda mais dela.
D. Ana dirigiu-se ao quarto do filho para o chamar mas este já a esperava. Sem ter conseguido dormir, estava acordado quando ouviu o toque da campainha e escutou toda a conversa inicial de sua mãe com a sua noiva e família.
- Filho, como estás? Pela tua cara já vi que nem dormiste, mas nem eu consegui fazê-lo. Ouviste de certeza quem chegou, tens de vir à sala, é preciso resolver as coisas!
- Eu não tenho coragem de olhar para aquela vagabunda, tenho receio de lhe deitar as mãos à cara – disse cheio de raiva.
- Calma, não é com violência que se resolvem as coisas, ainda sais prejudicado desta história. Não queres ir preso por agressão pois não? Depois és tu que ficas mal visto no meio disto tudo. Tens a certeza que não podes perdoar este erro da Gabriela? Tu amas aquela rapariga e eu sei que ela também gosta de ti, foi um descuido de certeza filho…
- Não perdoo mãe! Nunca lhe conseguirei tocar depois disto! Ela nunca deixou pôr-lhe a mão e vem outro gabiru e ela vai para a cama com ele e aparece-me grávida? Nunca mais! Nem sabe o que me custa ir falar com ela agora, mas é preciso, espero ter calma para o fazer e não me atirar a ela.
Arranjou-se, lavou o rosto e tentou disfarçar ao máximo o seu mau aspecto, depois daquela noite mal dormida. Ainda demorou um pouco para tentar estudar como enfrentaria aquela família, o que dizer e o que achava mais acertado.
Já mais decidido, saiu do quarto e dirigiu-se à sala, deparando-se com todos aqueles rostos envergonhados. Gabriela de cabeça baixa, não parava de choramingar e não conseguia olhá-lo nos olhos.
Cumprimentou num tom rude, magoado e com olhar castigador. Foi correspondido pela família e quem começou por falar foi a mãe da noiva.
- Temos como conversar Manuel, a Gabriela fez esta asneira, quer pedir-te desculpa e tentar remediar da melhor forma este grande problema.
- Por mim as coisas já estão resolvidas, não há casamento e pronto! Agora tratem de anular tudo! – disse Manuel enraivecido – da minha família tratamos nós e vocês tratem com a vossa.
Ao ouvir aquilo, Gabriela não aguentou e tentou abraçar-se a ele a pedir perdão.
- Não faças isso, perdoa-me Manuel, eu amo-te! Não consigo viver sem ti! Fui enganada e quase violada, eu não queria, acredita! Se quiseres eu faço um aborto e escondemos isto das gentes da aldeia mas não me deixes, por favor!
- Larga-me! – e afastou-a repentinamente – Nunca te perdoarei e não acredito numa palavra tua. Se foste violada porque não fizeste queixa à polícia e porque não me contaste antes e encobriste? És mentirosa por que nem o nome do sacana queres dizer, não lhe queres estragar a vidinha porque é casado? Sai duma vez por todas da minha vida, nunca mais te quero ver na frente!
Os pais de ambos assistiam aquela discussão e tentavam manter a calma entre os dois mas chegaram ao final sem que houvesse entendimento. O casamento estava cancelado de vez, agora teriam de tratar de esclarecer a situação a todos os convidados da melhor forma, para que não houvesse tanto escândalo, mas era inevitável.
Manuel pediu para que deixassem de vez aquela casa e não queria mais qualquer tipo de contacto com eles, desaparecendo repentinamente da sala.
Não havia volta a dar, o casamento estava desfeito, era preciso tratar de anular tudo e avisar todos os convidados.

---Trecho escrito por Paula Costa --- 26.02.2008 ----- (continua)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Conto 3 - "Traição" - Parte 3

Manuel permaneceu no quarto e fechou-se por dentro inconformado com o que se estava a passar, chorando copiosamente sem saber o que fazer. Tinha de ganhar coragem para contar a situação aos seus pais e de seguida a toda a gente, que vergonha! Sentia-se sem forças para enfrentar o mundo e tudo lhe vinha à cabeça, até acabar com a própria vida.
Deitado na cama, lembrava o passado a girar em volta de si, todas as pessoas que o cercavam e de seguida antevia as reacções quando soubessem do sucedido. Não se sentia capaz de enfrentar tal situação, estava de rastos. Queria desaparecer, que fazer?
Começou a basculhar as gavetas em busca de algo que o fizesse amenizar o seu sofrimento. Sabia que tinha uma arma algures no quarto e não parou até encontrá-la. Estava descarregada e sabia que seu pai tinha munições no quarto, mas não conseguia sair dali, tinha receio de ser visto assim transfigurado na frente da família. Continuou a procurar e encontrou uma gaveta cheia de medicamentos, que usava de vez em quando, e pegou numa caixa cheia de anti-depressivos. Retirou todos os comprimidos da embalagem e preparava-se para os tomar todos juntos e assim acabar de vez com tudo. Foi interrompido por sua mãe a tentar entrar no quarto que estava fechado à chave e começou a bater à porta.
- Manuel, porque tens a porta a fechada? Que se passa? Abre por favor filho! Está na hora do jantar.
- Deixa-me mãe, preciso estar sozinho, não me apetece comer nada! – disse com uma voz de choro que deixou a mãe preocupada e que a fez não desistir de bater.
- Que tens? Abre já a porta, tu não estás bem, deixa-me ajudar-te Manuel!
Colocou repentinamente todos os comprimidos soltos dentro da gaveta e decidiu abrir a porta com as lágrimas a escorrerem-lhe pela cara.
A mãe ficou aflita ao vê-lo naquela figura e cheia de preocupação quis saber o motivo daquele pranto.
Manuel começou a contar, no meio de soluços e lamentos, as suas intenções de desaparecer de vez. Tinha vergonha de ser visto na aldeia depois daquela desgraça. Todos o iam apontar como corno, que foi enganado pela namorada.
A mãe tentou acalmá-lo, também ela chocada com o que a sua futura nora tinha feito. Concordava em que não deveria casar com ela grávida, mas tinham de ponderar bem as coisas, estava tudo tratado para o casamento e não paravam de chegar presentes. Teriam de ser devolvidos e explicarem o sucedido. Naquela aldeia do interior iria ser um grande escândalo.
Mãe e filho choravam abraçados.
Dada a demora para o jantar o pai também apareceu no quarto, deparando-se com os dois naquela situação.
- Não se janta hoje? Que foi que aconteceu para estarem os dois a chorar? – disse Joaquim preocupado.
Foi então colocado ao corrente dos acontecimentos, concordando com o filho que o melhor era não casar, mas a decisão seria dele.
Os pais deram-lhe toda a força e aconselharam-no para que não fizesse asneiras. O tempo ajudaria a curar todas as feridas e depressa ultrapassaria aquela má situação e quem sabe encontrar outra pessoa que o merecesse.
Teriam rapidamente de achar uma solução para aquele problema dado o aproximar da data do casamento e o dia seguinte seria o ideal. Haveria ou não casamento?
Já ninguém jantou naquela casa e recolheram-se cada qual aos seus aposentos. Provavelmente nem pregariam olho toda a noite.

---Trecho escrito por Paula Costa --- 20.02.2008 ----- (continua)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Conto 3 - "Traição" - Parte 2

Terminado o expediente de trabalho, Manuel regressou a casa e, para surpresa sua, tinha à sua espera o futuro cunhado, portanto irmão de Gabriela. Como não era costume vê-lo àquela hora e ainda por cima em sua casa sem avisar começou a achar muito estranho deixando-o logo preocupado e perguntou de rajada se tinha acontecido alguma coisa de anormal com a sua noiva.
- Que se passa Jorge? Porque me esperas a esta hora e ainda por cima com essa cara de caso? A Gabriela está bem?
- Sim está bem, mas eu vim aqui para falar de uma coisa muito chata, não sei como hei-de começar mas nem eu e nem meus pais ficava-mos bem se não te informasse-mos do que se está a passar…
- Diz logo, estás a deixar-me muito preocupado, é assim tão grave? A tua cara diz-me que vem aí bomba.
- É mesmo isso, uma bomba! Sempre fomos amigos e as nossas famílias uniram-se muito depois que tu e minha irmã começaram a namorar e marcaram o casamento, mas não podemos deixar passar em branco o que se passa neste momento.
Manuel começou a ficar nervoso e já transpirava por todos os lados, começava a imaginar o que seria de tão grave mas nada lhe vinha à ideia – sabia é que não era boa coisa.
- Fala duma vez homem, não me deixes assim! – disse Manuel irritado.
- Ok Manel, a minha irmã confessou-nos uma coisa esta semana que não podemos deixar impune. Ela está muito arrependida, confessou porque não aguentou a culpa e só anda aos prantos pela casa toda. De tanto pressionada que foi pela minha mãe, que lhe perguntava o porquê daquelas lágrimas, decidiu desabafar dizendo-lhe que estava grávida de outro sujeito.
A fisionomia de Manuel transfigurou-se, ficou branco como a cal e não queria acreditar no que estava a ouvir, a sua Gabriela que tanto amava e se dizia também tão apaixonada, tinha-o traído duma maneira que nunca esperaria. Ela que se dizia pura e que queria chegar virgem ao casamento, evitando-o sempre a todo custo, mesmo depois de algumas investidas, andava a pavonear-se com outro nas suas costas. Só não esperava que o azar lhe batesse à porta a uma semana do casamento. A culpa e o medo de ser descoberta foi mais forte e a fez confessar à família.
- Não posso acreditar Jorge, isso é mesmo verdade? A tua irmã que nunca queria que lhe tocasse? Eu respeitei-a sempre e ela faz-me isto? – e deitou as mãos à cabeça, já com as lágrimas nos olhos – E agora? Eu não caso com ela assim, desculpa-me tu e os teus pais, toda a família, mas eu não sou capaz, ela apunhalou-me pelas costas, foi uma leviana como eu nunca supus.
- Calma Manel, compreendo mas estás a receber a notícia agora a quente, pensa direito, fala com os teus pais e depois fala com ela, vocês têm de entender-se. Falta uma semana e olha o escândalo que vai ser na aldeia.
- Eu não quero saber! - disse cheio de raiva – Com ela eu não caso! – e deu um pontapé violento numa cadeira que foi ter ao outro lado da sala.
Jorge tentou acalmá-lo, colocando-lhe o braço por cima dos ombros, tentou dar-lhe apoio e que pensasse bem, nada como uma boa conversa para lhe clarificar as ideias.
- Manel, não sei que te diga mais, acho que deves ficar sozinho, pensar muito bem, falares com as pessoas certas para te aconselharem, mas não deves tomar decisões assim tão repentinas, tenta primeiro acalmar-te.
- Quem é o fulano que a engravidou? – perguntou de seguida – Eu conheço?
- Ela não quis contar Manel, só disse à minha mãe que ia muito à loja onde trabalha e que é casado, por isso não quis divulgar o nome para não haver ainda mais escândalo.
- Vagabunda! A tua irmã não presta, fui muito cego Jorge, mato-me a trabalhar até tarde quando ela saía mais cedo e sabendo os caminhos por onde eu andava, ficava à vontade para se meter na cama com outro. É uma vagabunda!
- Calma, já te disse, a carne é fraca e tu, como homem, sabes como é fácil seduzir uma mulher se tivermos uma boa lábia. A Gabriela é muito bonita, tu sabes, e caiu na teia de algum que a soube levar, mesmo não querendo. Fala com ela, perdoa-a por favor!
- Não, nunca! Deixa-me agora sozinho, tenho de pensar e ver como vou acabar com toda esta palhaçada– disse com ódio no olhar.
Jorge foi-se embora entristecido por não conseguir dar aquela notícia sem fazer muitos estragos mas estava visto que as coisas se afiguravam muito feias.

---Trecho escrito por Paula Costa --- 14.02.2008 ----- (continua)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Conto 3 - "Traição" - Parte 1

Falta uma semana para o casamento. Ultimam-se os preparativos para a boda: número de convidados, restaurante e ementas, decoração e outros extras habituais numa festa desta envergadura.
Manuel já anda com a cabeça na lua no seu trabalho. É motorista de uma empresa de camionagem e todos os dias transporta imensa gente na linha que lhe foi atribuída. Já não ouve ninguém, só pensa naquele dia importante que se aproxima e comete alguns descuidos na condução, mas nada de muito grave até agora. Uns pedidos de desculpa, um sorriso e lá segue o seu caminho feliz da vida. Em mente só consegue ter a sua linda e futura esposa vestida de noiva a esperá-lo no altar, a sua Gabriela,
Manuel tem um porte interessante, é bastante alto, 1,90m de altura e muito bem constituído fisicamente. Moreno e duma simpatia para com toda a gente que o faz ainda mais bonito. Sempre atencioso com os seus passageiros, faz com que a maioria já deseje ser por ele transportado, pois é sempre uma alegria aquele trajecto.
Dada a sua simpatia e fisionomia, é bastante cortejado pelas mulheres que entram naquele autocarro, mas não tem olhos para mais ninguém além da sua Gabriela, que ama de paixão e com quem vai casar.
A sua noiva também não lhe fica atrás, parece um modelo. Tem os olhos muito azuis e os cabelos loiros bem longos com uma ligeira ondulação - uma bela combinação que a fazem linda demais. Mas além de bonita é muito simples, teve poucos estudos e por isso não teve oportunidade de singrar numa boa profissão. É balconista numa loja de moda da sua aldeia, lidando com o público em geral e logicamente muito assediada pela classe masculina.
Manuel conheceu a sua namorada na escola, quando ambos entraram para o 7º ano de escolaridade. Moravam muito perto um do outro numa localidade do interior e ainda pouco avançada em relação às grandes cidades. Logo começaram a fazer o trajecto de casa para a escola juntos. Dado isto, não passou muito tempo para que iniciassem o seu namoro. Cedo largaram os estudos para começaram a trabalhar porque suas famílias tinham poucas posses.
Juntos compraram um apartamento com três quartos, não muito longe da zona onde residiam, recorrendo ao crédito bancário para o efeito. Sonhavam em ter 3 filhos, naquele período em que namoravam. Suas mentalidades eram ainda do tempo em que tinham que se resguardar até ao casamento para que houvesse certas intimidades que hoje já são pouco usuais e ninguém chega virgem ao casamento. Embora Manuel tentasse muitas vezes ir mais além, Gabriela declinava sempre e pedia para que esperasse, queria que fosse tudo como sonhou – dizia ela.

---Trecho escrito por Paula Costa --- 12.02.2008 ----- (continua)