quarta-feira, 26 de março de 2008

Conto 3: "Traição" - Parte 7

Depressa Manuel recuperou e recomeçou a trabalhar. Todos lhe davam as boas-vindas e estavam alegres pelo seu regresso, dado que a pessoa que o substituiu tinha mais idade e era de poucas palavras, parecia que andava sempre mal disposto. Manuel nunca mais foi aquela pessoa alegre de antes, mas todos compreendiam, pelo menos aqueles que souberam da sua história.
Depois de tudo voltar ao normal, Manuel não se sentia mais satisfeito com a vida que levava, faltava-lhe algo para poder tapar o buraco que parecia enfiado. Depois do trabalho não convivia com ninguém e mal saía de casa.
Começou a pensar em fazer alguma coisa para melhorar a sua vida e decidiu recomeçar a estudar à noite, matriculando-se no 11º ano que foi onde parou nos estudos. Aplicou-se a fundo e num ano lectivo conseguiu também fazer o 12º ano. Conviveu nesse período com novos colegas e muitas das alunas interessavam-se por ele mas nunca mais quis ter algo com alguém. Não se divertia e nunca aceitava convites que lhe faziam e só pensava em estudar.
O exame final estava à porta e preparou-se com afinco, estudando a matéria sempre que lhe era possível, para poder tirar boas notas e ingressar na faculdade. Queria ter uma profissão mais digna e a vida de motorista já não lhe dizia quase nada. Estava na hora de mudar-se para uma grande cidade e deixar de vez a sua aldeia que não lhe dava futuro algum e as pessoas que ainda por lá habitavam eram já bastante idosas, os jovens desapareciam mal começavam a frequentar universidades e depois arranjavam empregos em cidades mais longes. Só voltavam de visita aos familiares e eram poucos os que ficavam a viver na aldeia depois de estudar fora.
Chegou a data do exame final e Manuel sentia-se preparado, teve sempre boas notas durante o ano lectivo e tinha a matéria na ponta da língua, mas estava muito nervoso, como é natural nestas alturas.
O exame foi bem complicado mas estava confiante que teria uma boa nota, só não sabia se a média final lhe dava para poder optar pela área de Medicina que era o que queria seguir.
Passaram alguns dias e finalmente saíram os resultados. Soube por um colega, que lhe telefonou, mas ainda não sabia a sua nota, saindo de casa apressado directamente à escola. Estavam montes de colegas na sua frente a fazer o mesmo e não podia chegar à pauta, esgueirando-se entre imensas cabeças para ver o seu nome, até que lá conseguiu e deu um pulo de alegria.
- Uauuu, tirei 17 valores! – e começou a abraçar os seus colegas que lhe davam os parabéns.
Ouviam-se gritos de felicidade de mais alunos e também alguns lamentos por parte de outros que não conseguiram passar ou tiveram uma nota menos boa e já não dava para ingressar numa área mais favorável na faculdade.
Com a nota que obteve, Manuel concorreu a várias universidades, colocando por ordem a que mais lhe apetecia. Em 1º lugar escolheu a Universidade de Medicina do Porto, depois a de Coimbra e em terceiro a de Lisboa, que lhe ficava mais longe e as despesas seriam maiores, mas se tivesse que ser, iria estudar para lá.
Mais tarde, recebeu uma carta a dar-lhe a notícia que entrou na Universidade do Porto, deixando-o muito feliz. Não via a hora de começar este novo capítulo na sua vida.
Fez algumas viagens até ao Porto, que ficava a cerca de 90km da sua aldeia, alugou um quarto para permanecer durante a semana de estudo e também tratou de todas as burocracias, matriculas e papeladas para este propósito. Aos fins-de-semana regressaria a casa dos pais.
Por causa da sua entrada na faculdade, não poderia mais trabalhar como motorista e apresentou a demissão na Empresa de Transportes, com muita pena dos seus superiores que sempre lhes agradou os seus bons serviços.
Agora teria de viver das suas economias e da ajuda dos seus pais. Depois já no Porto tentaria arranjar um partime à noite para ajudar nas despesas.
Finalmente chegou o dia em que tinha que se afastar por mais tempo daquela aldeia e da família para começar os estudos na Faculdade. A mãe meia chorosa e já cheia de saudades do filho querido, não parava de se agarrar a Manuel, sempre com conselhos para que corresse tudo bem.
Deu um abraço aos pais e despediu-se até ao próximo fim-de-semana. Tinha de apanhar o comboio das 18h até ao Porto porque no dia seguinte, segunda-feira, começava logo cedo a sua primeira aula.
A partir daquele dia, a vida de Manuel teria um novo rumo.

---Trecho escrito por Paula Costa --- 26.03.2008 ----- (continua)

quarta-feira, 12 de março de 2008

Conto 3: "Traição" - Parte 6

Mal começou a percorrer a sua aldeia no regresso a casa, as recordações de Gabriela voltaram. Enquanto esteve no hospital conseguiu abstrair-se um pouco da sua vida, por ser um meio diferente de onde residia e também porque lidava com pessoas de outros locais. Tinha permanecido internado cerca de 6 meses e durante esse período o tema do casamento e tudo o que lhe dizia respeito, foi mantido em absoluto silêncio, não soube mais notícias da sua ex-noiva, se ainda estava grávida ou tinha abortado, se já se sabia quem era o pai da criança e se houve mais acontecimentos depois do seu afastamento.
Estava deveras curioso mas sem coragem em abordar o assunto com os seus pais, mas tinha de o fazer porque não conseguia deixar de pensar.
Sozinho no seu quarto, não resistiu e foi directo ao álbum de fotografias, tinha de saber o que sentiria ao rever as fotos daquela que o traiu. As lágrimas começaram a escorrer-lhe pelo rosto, como foi possível ter-lhe feito tão mal depois do amor que sentiam um pelo outro? Mas estava ciente que não a perdoava e o futuro teria de ser vivido noutra direcção, diferente do de Gabriela.
A mãe entrou no quarto quando estava com o álbum nas mãos e ficou preocupada vendo-lhe o rosto molhado. Ficou aflita e com medo de uma recaída do filho.
- Manuel, larga isso que te trás más recordações, esquece essa rapariga!
- Mãe já passou, não te preocupes que o teu filho vai recuperar. Mas queria saber, o que aconteceu com ela? Que se passou depois do meu internamento?
- Não queria nada tocar mais neste assunto mas já que insistes: Quando na aldeia se soube que Gabriela estava grávida foi um grande escândalo, foi aí que te deram toda a razão, porque muitos pensavam que a culpa era tua e que tinhas arranjado outra. A família dela mal saía à rua e andavam todos curiosos em saber quem era o pai da criança. Nunca ninguém soube quem era, mas passados 2 meses de ficares hospitalizado, foi colocado um cartaz na casa da família de Gabriela de “Vende-se!” e foram vistos a fazer a mudança. Não deram satisfações a ninguém e desapareceram da aldeia. Uns dizem que ela se deve ter juntado com o pai da criança, mas é tudo boatos, ninguém tem uma certeza. Acho que foi o melhor que aconteceu, assim não darás mais de caras com ela.
Manuel ouviu aquilo com admiração, não supunha que deixaria de ver de uma vez por todas a mulher que o fez sonhar em formar uma família feliz.
O seu coração ressentiu-se e parecia que tinha saudades mas ao mesmo tempo debatia-se porque não queria ter esse sentimento. Era uma mistura de ódio e amor. Achou que foi melhor que tivesse acontecido assim, esqueceria mais depressa estando longe do seu olhar.
A mãe viu a tristeza nos olhos do filho e pediu que se desfizesse de todas as recordações para não sofrer mais e ele achou por bem fazer isso mesmo.
- Tens razão mãe, estas fotos vão já ser todas rasgadas e vai tudo para o caixote do lixo. Os presentes e lembranças colocarei tudo num saco e vais dar para igreja, é pecado deitar coisas boas fora. Não vai restar nada dela, só o meu pensamento não posso deitar no lixo mas um dia nem isso restará, deixarei de pensar nela, prometo-te mãe! – e começou violentamente a rasgar tudo em bocadinhos.
A mãe ajudou nessa tarefa e depressa ficou livre daquele peso, agora queria uma vida nova, recuperar a sua saúde e começar a trabalhar logo que possível naquilo que fazia e sempre gostou. Tinha saudades daquelas pequenas viagens e dos clientes que sempre o adoraram como motorista.

---Trecho escrito por Paula Costa --- 12.03.2008 ----- (continua)

quinta-feira, 6 de março de 2008

Conto 3: "Traição" - Parte 5

A notícia correu rápido pela aldeia, sendo um meio muito pequeno, logo se fica a saber tudo o que se passa. Só se ouvia cochichar que já não havia casamento do Manuel com a Gabriela e andavam todos curiosos em saber o motivo. Rapidamente começaram a surtir boatos da razão daquele desenlace. Uns comentavam que ele devia ter tido algum arranjinho por fora e a noiva tinha descoberto, outros diziam o contrário, que no local onde Gabriela trabalhava era muito fácil ter caído de amores por algum rapazola que lá passasse, dado que a rapariga era muito bonita e bastante cortejada pela classe masculina.
As famílias envergonhadas pouco saíam de casa e não davam muitas informações a quem deles se aproximavam a tentar tirar nabos da púcara.
Manuel, depois daquele dia, nunca mais foi o mesmo, mal saía do quarto, não se alimentava e pediu baixa médica, não se sentia com forças para trabalhar. O seu aspecto degradava-se de dia para dia, passava o tempo a chorar e sempre com ideias maquiavélicas em acabar de vez com o seu sofrimento. Tinha emagrecido imenso e nem de si tratava, sempre com a barba por fazer, mal tomava banho e se não fosse sua mãe sempre a forçá-lo a fazer as coisas teria se deixado morrer naquela cama.
Os pais, sabendo das suas ideias suicidas, tinham tratado de fazer desaparecer tudo o que pudesse ser um arremesso às ideias do filho. Assim esconderam todos os medicamentos, armas e munições, fecharam os armários que continham facas à chave e andavam sempre atentos ao seu comportamento.
Passou-se um mês e Manuel continuava com este sofrimento, acabando por adoecer bastante. O médico foi chamado a casa e depois de o consultar chegou à conclusão que estava com uma anemia muito grave e tinha de ser hospitalizado. Os sintomas de fadiga, fraqueza, palidez, dificuldade de concentração, vertigens e tonturas, rapidamente o fizeram diagnosticar aquela doença e pediu de imediato que chamassem uma ambulância, dado que Manuel nem se aguentava de pé.
Foram dias complicados para se curar dado que Manuel pouco se dignava em colaborar e era submetido muitas vezes a soro e sedado para que não retirasse a agulha do braço.
O tempo que permaneceu naquele hospital, os companheiros de quarto e os médicos começaram a fazê-lo ver que a vida pode tomar outro rumo e ainda vir a ser muito feliz. Tinha apoio psicológico e depressa começou a melhorar a olhos vistos. A sua palidez começou a desaparecer, já tinha vontade de comer e também já tinha engordado um pouco. Nos últimos exames ao sangue obteve níveis bastante favoráveis e informaram-no que dentro de uma semana já poderia ter alta do hospital e fazer o resto da recuperação em casa, dado que a nível psicológico também estava mais restabelecido e as suas ideias no lugar.
Era um homem muito triste, em comparação com alegria que emanava anteriormente, mas com acompanhamento de pessoas adequadas poderia voltar ao que era dantes.
E assim foi, estava de regresso a casa de seus pais, teria de enfrentar a vida dali para a frente com animosidade.

---Trecho escrito por Paula Costa --- 06.03.2008 ----- (continua)